:: terça-feira, abril 27, 2004 ::

Semana 5
Tema: Camões épico


I. Os Lusíadas – um épico na Renascença

Considerações gerais

Publicado em 1572, sob a proteção do Rei D. Sebastião, o poema épico Os Lusíadas tem como assunto central a viagem de Vasco da Gama às Índias (1497-1498). O navegador, mais que um herói individual, é o porta-voz e símbolo de toda a nacionalidade portuguesa, exaltando as conquistas ultramarinas, os novos reinos da Ásia, África e América, impregnado tanto dos ideais expansionistas da Monarquia Lusitana, como dos ideais de expansão da fé católica.
As perigosas viagens “por mares nunca dantes navegados”, o contato com povos e costumes diferentes e a exaltação do Homem-Integral (navegador, soldado, aventureiro, intelectual, cavaleiro e amante) encontram, na euforia antropocêntrica do Renascimento, um instante oportuno para o sentimento heróico e conquistador, não apenas dos portugueses, mas de toda a Europa quinhentista. Influenciado pelo clima intelectual favorável e pela leitura dos poetas épicos da Antigüidade clássica (Virgílio e Homero), contando com suas experiências pessoais, vivenciadas nas expedições marítimas das quais tomou parte, Camões realizou a maior epopéia portuguesa e renascentista.


A epopéia (ou poema épico) é um longo poema narrativo, de estilo elevado e assunto heróico, envolvendo grandes acontecimentos do passado. Trata de fatos notáveis, grandiosos, extraordinários de um povo, geralmente representado por um herói, permeado por seres míticos ou folclóricos. Grandes clássicos épicos: Homero – Ilíada e Odisséia (gregos); Virgílio – Eneida (romanos).


Obra de cunho enciclopédico, o poema narra, além da descoberta do caminho marítimo para as Índias, as grandes navegações portuguesas, a conquista do Império português do Oriente e toda a história de Portugal, seus reis, seus heróis e as batalhas que venceram. Paralelamente a essa dupla ação histórica (a viagem de Vasco da Gama e a história de Portugal), desenvolve-se uma importantíssima ação mitológica: a luta que travam os deuses olímpicos, contrapondo Vênus e Marte (favoráveis aos lusos) a Baco e Netuno (contrários às navegações).
Síntese das aspirações e realizações do homem português e renascentista, Os Lusíadas apresentam dicotomias que se fundem harmoniosamente, refletindo o espírito múltiplo da época:
* A mitologia pagã, de inspiração clássica, por meio das referências e analogias feitas com entidades e episódios mitológicas, e o ideal cristão de cruzada, já que Camões atribui aos descobrimentos também o significado de ampliação do mundo católico;
* O tom épico, na eloqüência da exaltação dos feitos dos navegadores, guerreiros e heróis, e o tom lírico, na expressão comovida do amor trágico de Inês de Castro;
* A objetividade, nas descrições da natureza, nos conhecimentos técnicos, históricos e geográficos, e a subjetividade nas digressões em que o poeta reflete sobre a vida, a natureza humana e sua própria condição;
* O ufanismo, o orgulho nacionalista de quem canta o valor de um povo que superou os heróis da Antigüidade, e o espírito crítico de quem pressente a decadência e adverte duramente seus contemporâneos;
* O espírito clássico, na assimilação dos modelos de Virgílio e Homero, na sintaxe latinizante, na cultura humanística, e os acentos maneiristas e antecipações barrocas, nas tensões características do barroquismo, na visão pessimista e desencantada e na tendência à deformação pelo exagero, à intensificação, além da inclusão de aspectos dolorosos, cruéis e horrendos, como a descrição dos navegadores devastados pelo escorbuto.

Estrutura formal

* Título: Camões foi buscar a palavra “Lusíadas” numa epístola escrita por André de Resende, em 1531. A palavra significa “os lusitanos” (os lusos, os portugueses).
* Cantos: o poema divide-se em 10 cantos – maior unidade de composição da epopéia. Cada um contém, em média, 110 estrofes. O canto III é o mais curto, com 87 estrofes; o canto X é o mais longo, com 156 estrofes.
* Estrofes: o poema é composto por 1102 estrofes, cada uma com 8 versos, as oitavas. A disposição das rimas obedece ao esquema ABABABCC (oitava-rima/oitava-real/oitava-heróica)
* Versos: 8816 versos, decassílabos (medida nova), predominando os decassílabos heróicos, 6 ª e a 10 ª sílabas tônicas, e alguns decassílabos sáficos, 4 ª, 8 ª e a 10 ª sílabas tônicas.
* As partes de Os Lusíadas: segundo a tradição clássica, a epopéia deve estar estruturada nas seguintes partes:
Proposição: é a apresentação do poema, com destaque para o tema e o herói. Estrofes 1 a 3, canto I. Nessa parte, evidenciam-se as seguintes características: o caráter coletivo do herói; a valorização do homem (antropocentrismo); a sobrevivência do “ideal de cruzada”; a valorização da Antigüidade clássica; o nacionalismo e a sintaxe rica e complexa, marcada pelos hipérbatos.
Invocação: é o pedido de inspiração às musas. Camões elege como suas inspiradoras as Tágides, ninfas do rio Tejo, “nacionalizando” suas musas. Estrofes 4 e 5, canto I.
Dedicatória: o poema é dedicado a D. Sebastião, rei de Portugal, figura mítico-histórico de Portugal. D. Sebastião era visto como a esperança de propagação da fé católica e continuação das grandes conquistas portuguesas por todo o mundo. Estrofes 6 a 18, canto I.
Narração: é a matéria do poema em si. Início in media res, ou seja, em plena ação. Entrecruzam-se 3 planos narrativos: o da viagem de Vasco da Gama às Índias, a narrativa da história de Portugal e a história dos deuses do Olimpo que, como forças do destino, tramam e destramam a sorte dos portugueses. São, portanto, duas ações históricas e uma ação mitológica que se alternam e se interpenetram no poema. A narrativa começa já no meio da aventura do herói, quando Vasco da Gama e os navegadores estão em pleno Oceano Índico, na Costa Leste da África, próximo do Canal de Moçambique. Os acontecimentos anteriores são relatados por discursos dos protagonistas humanos (Vasco da Gama e seu irmão Paulo da Gama), e os acontecimentos futuros são anunciados por deuses. Os episódios anteriores da navegação (a partida das naus, a travessia do Equador, a passagem pelo Cabo das Tormentas na África do Sul) são narrados pelo próprio capitão, ao rei de Melinde, durante uma pausa na viagem. Mais tarde, já na Índia, em Calicute, Paulo da Gama, segundo herói da viagem, irá acrescentar outras personagens e outros episódios históricos. Não episódio da “Ilha dos Amores”, onde Vênus recepciona os navegadores, após os sucessos na Índia, os planos histórico e mitológico fundem-se; os heróis entretêm-se com as ninfas, Vasco da Gama torna-se amante de Tétis. Após um banquete oferecido por Tétis e pelas ninfas, uma delas, Sirena, anuncia as futuras conquistas portuguesas. Tétis conduz Vasco da Gama a uma elevação e mostra a ele a Máquina do Mundo, réplica em miniatura do sistema solar, segundo a teoria geocêntrica de Ptolomeu, e que somente os deuses podiam contemplar. Descobrindo a orbe terrestre, Tétis aponta os lugares onde os portugueses ainda se farão presentes. Sem que se dê muita ênfase, fala-se do Descobrimento do Brasil. Estrofe 19 do Canto I até estrofe 144 do canto X.
Epílogo: grande lamento do poeta, que reclama o fato de sua “voz rouca” não ser ouvida com mais atenção. Contrastando com o tom vibrante e ufanista do início, o tom é agora de pessimismo, desencanto e de crítica à decadência do país e aos portugueses de seu tempo, cegos pela ganância. É uma clara premonição da derrocada de Portugal, submetido em 1580 ao domínio espanhol. Há, ainda, o sentido de desabafo de Camões, que se queixa da incompreensão e das privações pelas quais parece ter passado em seus últimos anos de vida. Estrofes 145 a 156, canto X.

II. Os episódios: “Inês de Castro” e “O Velho do Restelo” – lírica e crítica

A. Inês de Castro (canto III, estrofes 118 a 135)

De origem galega, Inês Pires de Castro tinha origem nobre, aliada aos castelhanos. Suas relações com o Príncipe D. Pedro, primogênito de D. Afonso IV, futuro D. Pedro I, eram malvistas pela corte portuguesa por três motivos: o príncipe era casado com D. Constança e tinha filho legítimo com a rainha; Inês era socialmente inferior; o relacionamento dos dois representava uma ameaça à soberania portuguesa, era uma possibilidade de a Espanha retomar o poder em Portugal, uma vez que os dois tinham 3 filhos, herdeiros, mesmo bastardos, em potencial. Quando Pedro enviuvou, impuseram diversas noivas; ele se nega, alegando estar casado com Inês. O rei, D. Afonso IV, a corte e o povo em geral temem que os filhos bastardos venham a assumir o trono, anexando Portugal à Espanha. Parecem ter sido essas as razões políticas que levaram a corte portuguesa a julgar e condenar à morte Inês de Castro, aproveitando a ausência do príncipe, que fora combater na África. Os nobres, com o respaldo de D. Afonso, assassinaram Inês por razões de Estado. Pedro, ao regressar da África e descobrir a atrocidade cometida, desenterra Inês, realiza a cerimônia de coroação com o cadáver, obrigando, inclusive, os súditos a beijarem sua mão. Foi realizado, então, um enterro digno de rainha. Assumindo o trono, D. Pedro I dedicou-se perversamente à vingança contra todos os algozes de Inês, com requintes de sadismo.

Fernão Lopes, Garcia de Resende e Antonio Ferreira já haviam explorado, em prosa, em verso e no teatro, respectivamente, o episódio histórico. Camões aborda o episódio com uma carga máxima de lirismo, para simbolizar a força e a veemência do Amor, sentido bastante trabalhado em sua lírica de maneira geral. A beleza poética desse episódio vem do fato de Camões atribuir a morte de Inês de Castro à circunstância de ela amar extremadamente, nutrindo um amor que não cabia neste mundo. Evidencia-se o caráter transcendente e imortal do Amor também muito presente na lírica camoniana. A infelicidade e a morte são vistas como conseqüências do sentimento arrebatador, sufocado pelas condições sociais que o impossibilitavam de se concretizar plenamente. O sacrifício de Amor dá ao amante a sublimação dos sofrimentos terrenos. Por meio dessa interpretação, Camões dá ao episódio histórico uma versão mais rica e sugestiva, indo bastante além da intriga palaciana que tirou a vida da amante espanhola do futuro rei D. Pedro I.


B. O Velho do Restelo (canto IV, estrofes 90 a 104)
Quando as naus de Vasco da Gama se despediam de Portugal, um ancião, o Velho do Restelo, elevando a voz, manifestou sua oposição à viagem às Índias. Ressalta-se, nesse episódio, também, a imensa dor de mães e esposas que supõem que seus filhos e maridos não retornariam da viagem; fato que se comprova pelo seguinte dado: dos 170 homens que deixaram o cais do Restelo, apenas 55 retornaram vivos.
São freqüentes duas interpretações para esse episódio. A fala do Velho do Restelo pode ser interpretada, inicialmente, como a sobrevivência da mentalidade feudal, agrária, medieval, oposta ao expansionismo e às navegações, que configuravam os interesses da burguesia e da monarquia. Seria, nesse sentido, a expressão máxima do conservadorismo.
No entanto, se estabelecermos uma relação entre esse episódio e o conteúdo do epílogo, podemos considerar que se encontra nesta correspondência temática uma nota dissonante dentro de um gênero marcado pela exaltação patriótica e heróica. Trata-se de identificar a voz do poeta que soube reconhecer o relaxamento moral do povo português, o qual se teria deixado inebriar pelo poder e riqueza alcançados com a expansão ultramarina. Nesse sentido, a fala do Velho do Restelo reveste-se de sensatez por condenar a aventura de Vasco da Gama, que colocava em risco vidas que dificilmente seriam beneficiadas com os lucros das navegações.
É possível traçar um paralelo, também, com um dos elementos mais fortes das tragédias: o coro. Ao amaldiçoar o primeiro a construir um navio, o Velho do Restelo ganha uma dimensão poética e pode ser percebido como uma recuperação do coro das tragédias gregas, no seu papel de profetizar as conseqüências funestas de certos atos humanos. A evocação de malogradas aventuras mitológicas – Prometeu, Faetonte, Dédalo e Ícaro – sugere haver semelhança entre esses atos ditados pela ambição e pela vaidade e as empreitadas portuguesas.
Portanto, em Os Lusíadas, ao lado da exaltação patriótica necessária ao gênero épico, encontra-se a relativização crítica dos grandes feitos portugueses e suas verdadeiras motivações. Nesta obra, Camões desmascara a ideologia oficial, o “espírito de cruzada”, revelando a “glória de mandar” e a “vã cobiça” que animavam os portugueses às grandes navegações.


III. Intertextualidade

FALA DO VELHO DO RESTELO AO ASTRONAUTA
José Saramago
In: Poemas possíveis (1966)

Aqui na terra a fome continua
A miséria e o luto
A miséria e o luto e outra vez a fome
Acendemos cigarros em fogos de napalm
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
Ou talvez da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti nem eu sei que desejos
De mais alto que nós, de melhor e mais puro.
No jornal soletramos de olhos tensos
Maravilhas de espaço e de vertigem.
Salgados oceanos que circundam
Ilhas mortas de sede onde não chove.
Mas a terra, astronauta, é boa mesa
(e as bombas de napalm são brinquedos)
onde come brincando só a fome
Só a fome, astronauta, só a fome.

MAR PORTUGUÊS
Fernando Pessoa
In: Mensagem (1934)

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.










Postado por Fabi às 3:30 PM
Comentários ou dúvidas:





:: segunda-feira, abril 19, 2004 ::

Semana 4
Tema: Classicismo/Renascimento


1527 - retorno de Sá de Miranda da Itália, trazendo, para Portugal, os novos parâmetros artísticos, chamados de dolce still nuovo (doce estilo novo) ou medida nova.
1580 - "fim” do Renascimento português, morte de Camões.

Gêneros: poesia lírica, épica, teatro (bem aos moldes do teatro clássico) e crônicas de viagem.
Síntese das características: valorização do homem (antropocentrismo); paganismo nas artes (maravilhoso pagão); superioridade do homem sobre a natureza; objetividade; racionalismo; universalidade; saber concreto em detrimento do abstrato; retomada de valores greco-romanos; rigor métrico, rímico e estrófico; equilíbrio e harmonia.

Fatores que geraram o Renascimento:
no plano econômico: o renascimento comercial reativou o intercâmbio cultural entre Ocidente e Oriente, configurando-se como o principal fator do renascimento cultural;
no plano social: a urbanização gerava as condições de uma nova cultura, sendo as cidades o pólo de erradicação dos ideais renascentistas;
no plano intelectual: foram fundamentais a retomada dos estudos de obras clássicas greco-romanas (mosteiros e Universidades) e o aperfeiçoamento da imprensa por Gutemberg.

Top 10 Renascimento (Literatura e artes plásticas)

1. Shakespeare (Hamlet, Sonho de uma noite de verão, Romeu e Julieta, Macbeth, Otelo.... )
2. Camões (Os Lusíadas, intensa produção de poesia lírica, 3 peças teatrais)
3. François Rabelais (Pantagruel)
4. Miguel de Cervantes (Dom Quixote)
5. Michelângelo
6. Botticelli
7. Donatello
8. Rafael
9. Giovanni Bocaccio (Decameron)
10. Giotto

* Período marcado pela supervalorização do homem, pelo Antropocentrismo e pelo hedonismo (prazer individual e imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida humana)
* Ecos platonianos: como a Filosofia da Antigüidade Clássica retorna à cena, os pressupostos de Platão também. Para Platão, o mundo em que vivemos - o mundo sensível, “real’ - é apenas uma projeção imperfeita do mundo ideal, ou mundo das idéias. Ou seja, vivemos em um mundo de cópias imperfeitas, de sombras do que é maravilha do mundo ideal. Portanto, enquanto artistas, também realizamos cópias, imperfeitas, da existência sobrehumana e perfeita. O homem aspira, numa visão mais profunda, ascender às belezas espirituais por meio das físicas e conhecer, por meio das belezas inferiores e sensíveis, as belezas superiores e intelectuais. O homem tenta criar sombras mais perfeitas do mundo das idéias. Se o mundo sensível é sombra, que seja a sombra mais bela que nos remete de fato à perfeição além-mundo. O humano, em sua ânsia de absoluto, retorna a Platão e cria, poeticamente, o seu Mundo Ideal.
*Antropocentrismo: o Humano em cena - o interesse pela humanidade e pelo que ela pode realizar de alto, profundo e glorioso inspira o conceito de Homem-Integral (senhor do mundo, sedento por conhecimento); Homem-Aventura (o homem que parte para o mundo, como em Os Lusíadas); Homem-Cortesão (o homem que sabe falar, com profundidade, sobre os sentimentos); Homem-Soldado (luta para deixar no mundo a sua presença).

Características específicas:

* Equilíbrio e Harmonia: clareza, mentalidade aberta, intensidade vital, ímpeto progressista, euforia, ânsia de glória, apreço pelo humano, sentido do nu artístico, ausência de afetações; o Racionalismo governa e dosa as emoções e os sentimentos. Sobriedade, simetria e simplicidade.
* Universalismo: temas que não se limitam a questões importantes para os países e para indivíduos exclusivos; apego aos valores transcendentais (o Belo, o Bem, a Verdade, a Perfeição). O mundo e as questões filosóficas que inquietam a humanidade são os objetos da arte clássica.
* Culto à Antigüidade Clássica greco-latina: valorização da estética, da filosofia, do conhecimento; deuses pagãos e os mitos são usados como figuras literárias e alegorias.
* Imitação: O modelo greco-romano é visto como excelência da qualidade artística. Retomam-se, então, ideais, formas e temas da Antigüidade Clássica. A obediência às formas e gêneros da Antigüidade prevalece sobre o impulso pessoal e sobre a busca da originalidade.
* Ideal ético-estético: seguindo os gregos, a idéia de Beleza estava sempre associada à de Bem, como um ideal de perfeição simultaneamente estético e ético. BELO = BEM = PERFEIÇÃO ESTÉTICA. Um conteúdo perfeito (valores universais) deve estar organizado e disposto em uma forma perfeita.
* Verossimilhança: a arte é imitativa, é verdadeira, pois, só assim, ela é bela (Beleza = racionalidade, equilíbrio). Imitação da perfeição divina.

Renascimento em Portugal

Contexto histórico:
* O Renascimento português corresponde ao período de apogeu da nação; o “Império português” abrangia Oriente (China e Índia) e Ocidente (Brasil)
* Reinado de D. Manuel, o Venturoso, momento de intensa euforia, graças às seguintes conquistas: descoberta do caminho marítimo para as Índias - Vasco da Gama (1498); descobrimento do Brasil (1500); conquista de Goa e regiões da África (1507-1513).
* Portugal transforma-se em um importante centro comercial;
* Luxo desmedido na Corte, uma vez que havia, entre a nobreza, uma certeza de que o padrão de riqueza material alcançado até ali seria inalterável.
* UFANISMO, consagrado em Os Lusíadas.
* O começo do fim: declínio do sentimento ufanista, em 1578, em Alcácer Quibir, com a morte de D. Sebastião e a derrocada do exército português;
* A Literatura vai refletir a comoção épica gerada pelo progresso nas primeiras décadas do século XVI, mas reflete, também, vez por outra, o desalento e a adversidade, lúcidos perante a dúbia e provisória superioridade.
* O renascimento português não representou uma revolução cultural tão extensa e profunda.



A Medida Nova em Portugal

A medida nova consistia na utilização de uma nova métrica, o verso decassílabo (10 sílabas poéticas) e na adoção de várias formas fixas, assimiladas dos gregos, latinos e dos modelos italianos, esses últimos mais recentes (trazidos por Sá de Miranda, em 1527). A seguir, algumas das formas utilizadas do Renascimento, oriundas da tradição clássica ou desenvolvidas na Itália, especialmente por Petrarca e Dante Alighieri:

Soneto: 14 versos, dispostos em 2 quartetos (estrofes de 4 versos) e 2 tercetos (estrofes de 3 versos). Esta modalidade de soneto foi fixada pelo italiano Petrarca (1304-1374), tornado-se modelar em toda Europa; Camões vai consagrar essa forma em Portugal, e é por isso que a esse tipo de soneto podemos dar os nomes de petrarquiano ou camoniano. A disposição das rimas segue o esquema ABBA - ABBA - CDE - CDE (ou CDC - DCD).

Terceto: composição em estrofes de 3 versos, com rima entrecruzada, de modo que o 1 º verso rima com o 3 º , o 2 º com o 4 º e com o 6 º , o 5 º com o 7 º e com o 9 º e assim por diante (ABA - BCB - CDC - DED - EFE...). A consolidação desta forma se deu em A divina comédia, de Dante Alighieri.

Sextina: composição disposta em 6 estrofes de 6 versos, arrematadas por um terceto. Forma cultivada por Petrarca e Dante, também por Camões e Sá de Miranda, e pelo poetas árcades como Bocage.

Oitava: também conhecida como oitava-real, oitava-real ou oitava-heróica, designa os poemas compostos por estrofes com 8 versos (também podemos encontrar poemas com estrofe única de 8 versos) decassílabos, dispostos segundo o fixo esquema de rima ABABABCC. Esta forma foi consolidada, no Renascimento português, com Os Lusíadas. A oitava continuou a ser cultivada até o Romantismo.

Também foram retomadas as seguintes formas da Antigüidade: odes (canto de tom heróico, homenagem); elegia (canto de origem fúnebre, também pode versar sobre qualquer sentimento doloroso, perda, ausência, melancolia); écloga (composição de tema pastoril e campestre).

O teatro afasta-se das fontes ibéricas e medievais dos autos e das farsas e recupera os conceitos do teatro clássico, reabilitando a tragédia e a comédia, submetendo-se à Lei das 3 unidades.

Autores portugueses:

Bernardim Ribeiro: autor de composições em medida velha, foi o introdutor da poesia bucólica (écloga) de inspiração clássica em Portugal; autor da novela sentimental Menina e Moça, de forte caráter psicológico, expressando uma Filosofia trágica do amor e uma extensa dialética das “razões de ser triste”. Escrita em prosa poética, compõe-se em narrativas cavaleirescas, relatadas do ponto de vista da mulher.

Cristóvão Falcão: autor da novela sentimental Crisfal, cunho autobiográfico.

Sá de Miranda: introdutor e divulgador da medida nova em Portugal, difundiu o soneto, os tercetos, a oitava e as éclogas; também é autor de comédias aos moldes clássicos, como Os estrangeiros e Vilhalpandos.

Antônio Ferreira: foi o maior teórico da Medida Nova, grande humanista (no sentido filosófico do termo) e grande defensor da Língua Portuguesa; autor de poesia e teatro, é justamente por esse segundo gênero que vai ficar consagrado, especialmente pela tragédia A Castro.

João de Barros, Fernão Lopes de Castanheda, Diogo de Couto e Fernão Mendes Pinto: crônica histórica e literatura de viagens.



Postado por Fabi às 3:13 PM
Comentários ou dúvidas:





:: sexta-feira, abril 02, 2004 ::

Semana 3
Tema: O teatro popular de Gil Vicente: aspectos críticos de uma sociedade em formação


Gil Vicente: vida e época
Gil Vicente nasceu no reinado de D. Afonso V (1438-1481), presenciou os reinados de D. João II (1481-1495) e de D. Manuel I (1495-1521) e morreu em meados do de João III (1521-1557). Não são conhecidas ao certo as datas de seu nascimento e de sua morte, mas, provavelmente, nasceu em torno de 1465 e deve ter morrido entre 1536 e 1540, pois a última notícia que se teve dele – a encenação de sua última peça, Floresta de enganos – data de 1536. Os outros aspectos de sua biografia também são difíceis de precisar; teria sido ourives na Corte Portuguesa – há indícios da existência de um importante ourives (o “Mestre da Balança”) contemporâneo e homônimo de Gil Vicente –; ou discípulo em estudos de Teologia com um clérigo erudito. A hipótese mais provável é a de que tenha sido mestre de retórica do rei D. Manuel, o que lhe proporcionou a estreita relação com a corte portuguesa.
Em 1502, foi encenada sua primeira produção Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação, o que lhe rendeu o “cargo” de organizador oficial dos espetáculos palacianos, tanto nas ocasiões de festas reais quanto em datas comemorativas da cristandade, a pedido de D. Leonor, viúva do rei D. João II. A partir de 1521, quando D. João III foi coroado, Gil Vicente colocou-se a seu serviço, apresentando obras teatrais que satirizavam o conjunto da sociedade portuguesa de seu tempo.
Gil Vicente, além de dramaturgo, foi um dos poucos homens de sua época que conseguiu exercer uma certa liberdade de expressão, o que se confere em um carta dirigida a D. João III, em 1532, na qual relatava o sermão em que, publicamente, expressava sua indignação com frades de Santarém por eles terem assustado a população com sermões em que atribuíam um terremoto ocorrido à tolerância em relação aos cristãos-novos. Também é notável a defesa da liberdade religiosa que propagou, principalmente no que se refere à situação dos judeus na Península Ibérica.

Raízes históricas do teatro de Gil Vicente:

Durante a Idade Média, o teatro clássico greco-romano desapareceu. Ficaram ignoradas as tragédias e comédias que expressavam, do sublime ao grotesco, a densa visão clássica do homem, do mundo e dos deuses. Não se pode falar em teatro medieval. As encenações antes de Gil Vicente não pressupunham um texto escrito, uma produção literária de natureza dramática. Não havia o texto dramático. O que havia era o teatro livre de rua, dividido em duas categorias: as encenações religiosas e as encenações profanas.
Encenações religiosas: sob a influência da Igreja Católica e da visão teocêntrica do mundo, forma desenvolvidas encenações voltadas para os ritos, celebrações e cultos da religião católica. Essas formas dramáticas primitivas, das quais não há registro literário, eram encenações realizadas por ocasião do Natal, da Páscoa e do Corpus Christi, das quais destacam-se as seguintes modalidades: os mistérios (encenações de passos da vida de Jesus Cristo que reproduziam o nascimento, sua vida e os milagres, a Paixão e a Ressurreição); os milagres (representações da vida dos santos, dos mártires e apóstolos ou das aparições da Virgem Maria); as moralidades (peças mais curtas, cujas personagens eram alegorias, postas em cenas com finalidades moralizantes e catequizantes – o teatro catequético do padre Anchieta, no período pós-descobrimento do Brasil, tem profunda inspiração nesta modalidade).
Encenações profanas: ao lado das encenações religiosas, desenvolveram-se na Idade Média encenações teatrais de cunho popular e profano (não sagrado, estranho à religião; contrário ao respeito devido às coisas sagradas), em ocasiões não relacionadas ao culto religioso. Associadas às festas populares, limitavam-se a desfiles de personagens de novelas de cavalaria, brincadeiras jocosas e grotescas, arremedilhos (imitações cômicas), pantominas alegóricas (atores mascarados, por meio de mímica, gestos e contorções, quase sem palavras, davam a idéia das personagens e de suas ações, à maneira da palhaçada circense). As principais modalidades de encenações profanas são: farsas (encenações satíricas de gosto popular, apoiadas no exagero do aspecto cômico, no humor primário e nos processos grosseiros; situações ridículas, incongruentes e absurdos); soties (representações jocosas, semelhantes às farsas, com intenção crítica, envolvendo como protagonistas parvos e tolos); momos (representações mascaradas e pomposas de pessoas e animais, com centenas de figurantes desfilando pelas ruas, mistura de nobres e povo fantasiados, máscaras de dragões, demônios, gigantes e animais insólitos, patrocínio do rei. Origem do Carnaval); sermões burlescos (monólogos com imitações jocosas de atos religiosos).

O teatro de Gil Vicente

3 características centrais:

1. Luta por ideais verdadeiramente cristãos;
2. Simplicidade nas apresentações;
3. Lema moralista: castigat ridendo mores (rindo, corrigem-se os costumes).


Gêneros principais, cronologia e evolução
Auto: encerra uma intenção moralizante ou religiosa. Personagens são abstrações, generalizações, símbolos ou alegorias que personificam anjos, demônios, vícios, virtudes, instituições sociais, tipos humanos, categorias profissionais. Didático, satírico e polêmico.
Farsa: retrata os tipos humanos e sociais, por meio da exploração dos efeitos cômicos, da caricatura e do exagero. Por meio do riso, desnudam-se as mazelas da sociedade.

Cronologia (principais obras):
1502 – Auto da Visitação (monólogo do vaqueiro)
1512 – O Velho da Horta
1517 – Auto da barca do inferno
1518 – Auto da alma
1523 – Farsa de Inês Pereira
1532 – Auto da Lusitânia
1536 – Floresta de enganos

Reconhecem-se três fases em sua produção:
Primeira fase: marcada pela herança medieval (Juan del Encina) e pela predominância de autos pastoris e peças de temática religiosa. Personagens pastores, dialeto saiaguês (Saiago, Zamorra, Espanha); ação rudimentar; expressa com candura e simplicidade temas bíblicos e bucólicos. Exemplos: Monólogo do vaqueiro; Auto dos reis magos

Segunda fase: abandona a tradição medieval; linguagem nacional popular, mesclando diversos registros lingüísticos: língua culta da elite, coloquial, gíria, linguagem chula, latim eclesiástico. Predominam a sátira de costumes e a atitude crítica. Inicia o tratamento de grandes temas sociais e amadurece uma poesia dramática de alta densidade crítica, religiosa, lírica, filosófica, psicológica. Exemplos: O velho da horta, Quem tem farelos?.

Terceira fase: é a fase da plena maturidade. A galeria de tipos alarga-se para oferecer uma substancial reconstituição da sociedade [dos excluídos sociais à alta nobreza; camponeses, ciganos, judeus, alcoviteiros, parvos, padres libertinos, burgueses gananciosos, fidalgos decadentes, artesãos desonestos, magistrados corruptos, agiotas usurpadores]; valorização da linguagem peculiar a cada um deles. O diálogo torna-se fluído, gracioso e mordaz. A crítica aprofunda-se e consegue transcender o caráter individualizado dos tipos humanos para universalizá-los. Do ponto de vista cênico, permanece um teatro rudimentar, primitivo e improvisado. É um teatro poético que revela o profundo pensamento cristão de um homem conservador e lúcido, de um artista comprometido, cuja obra é uma arma de combate, de acusação e de moralidade. Exemplos: Farsa de Inês Pereira, Trilogia das barcas, Auto da Lusitânia.

Ideologia: medievalismo, humanismo e Renascimento
* Projeta o bifrontismo da época (fortes resíduos medievais com antecipações renascentistas)
* Inquisição em Portugal – freios para o pensamento científico e para a divulgação da cultura clássica
* Ataca o rentável mercado de indulgências, o culto supersticioso, a atribuição de fenômenos naturais à intervenção direta de Deus, a dissolução dos costumes do clero e o mundanismo; aspiração de um Cristianismo regenerado, com a volta às origens, ao modelo de vida simples e caridosa de Cristo
* Abstém-se de criticar a Família Real, o que não o impedia de ironizar o pessoal da corte. O moralismo de seu teatro investe não contra as instituições, mas contra os indivíduos e suas práticas que as degradavam e corrompiam. Busca resgatar a integridade perdida nas instituições.

Características formais* Com relação ao teatro clássico: afasta-se dos princípios do teatro clássico (Lei das três unidades – tempo, espaço, ação). Coloca em cena os mais diversos temas, representa inúmeras situações, grande número de figurantes; ação descentralizada que dá enormes saltos temporais; diversidade e/ou imprecisão de espaço; construção das cenas misturando elementos cômicos e sérios; traz ao palco todas as classes sociais, alternância do registro “elevado” com o registro “baixo”. Início da polifonia dialógica, que só se destaca a partir do Realismo.

* Quanto à ação dramática:
- Peças de ação fragmentada: não há ação contínua encadeada (começo, meio e fim). Quadros mais ou menos independentes. Sketches: podem ser representados em ordem aleatória. Nas peças de ação fragmentária, quase sempre, a ação é constituída de uma única situação, que vai se repetindo com a variação dos protagonistas ou exemplos (fidalgo, parvo, alcoviteira, frade, sapateiro...)
- Peças de enredo: desenvolve-se uma história de ação contínua e encadeada em torno de um episódio extraído da vida real.

Personagens:
Tipo: não são seres individualizados, com psicologia própria, são generalizações estereótipos, que representam uma classe social ou uma categoria profissional (tipo social) ou um grupo de pessoas identificados por um traço psíquico comum (tipo psicológico); frutos da observação do autor; efeito cômico, ridículo, grotesco; representação caricatural.
Alegoria: são personificações de idéias ou instituições, não de homens ou mulheres; por meio de personagens alegóricas; reveste de corpo e alma deuses, anjos, diabos, virtudes...

Linguagem – O teatro poético
* Presença de diversos registros lingüísticos (português vulgar, culto, pseudo-erudito)
* Sincretismo gramatical – formas divergentes do mesmo vocábulo (padre/pai; noute/noite; meo/meio)
* Arcaísmo – palavras que entravam em desuso
* Valendo-se da oralidade, reproduz a espontaneidade e a fluência da fala, o tom coloquial, a gíria, o palavrão, ditados populares, frases feitas
* Gil Vicente conseguiu conciliar essa linguagem corrente com a linguagem poética. Suas personagens falam em versos redondilhos, maiores ou menores, agrupados em estrofes rimadas (fala musical), incorporação da sonoridade da poesia, ampliando a expressividade das palavras, reforçando seu sentido, as sugestões líricas e as possibilidades cômicas
* É um teatro poético que, não obstante seu caráter primitivo, ingênuo e espontâneo, revela grande densidade crítica, religiosa, psicológica, moral, lírica e dramática.




Postado por Fabi às 4:46 PM
Comentários ou dúvidas:





Obras que serão trabalhadas (Fuvest e Unicamp):

O velho da horta - Gil Vicente (Unicamp)

Memórias de um Sargento de milícias - Manuel Antônio de Almeida (Fuvest)

O demônio familiar - José de Alencar (Unicamp)

O primo Basílio - Eça de Queirós (Fuvest)

Memórias póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis (Fuvest)

A brasileira de Prazins - Camilo Castelo Branco (Unicamp)

Várias histórias - Machado de Assis (Unicamp)

Poesia completa de Alberto Caeiro - Fernando Pessoa (Fuvest)

Macunaíma - Mário de Andrade (Fuvest)

Libertinagem - Manuel Bandeira (Fuvest)

A hora da estrela - Clarice Lispector (Fuvest)

Sagarana - João Guimarães Rosa (Fuvest)

Brás, Bexiga e Barra Funda - Alcântara Machado (Unicamp)

Angústia - Graciliano Ramos (Unicamp)

Vestido de noiva - Nelson Rodrigues (Unicamp)

Manuelzão e Miguilim - Guimarães Rosa (Unicamp)

Os cus de Judas - Antonio Lobo Antunes (Unicamp)




Textos Anteriores:

março 2004
abril 2004
maio 2004

 



Contato:

fabi.prof@hellokitty.com
www.redemedicina.com.br





Mell Raven © 2004